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Auguste de Saint-Hilaire

(1816-1822)

    Naturalista francês nascido em Orléans, com passagens pela América do Sul, cujos relatos são documentos de grande valor histórico sobre a vida e os costumes brasileiros na primeira metade do século XIX, onde chegou a declarar: Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. Saúva é a designação comum aos insetos himenópteros, da família dos formicídeos, gênero Atta Fabr., distribuído por todo o Brasil. As saúvas são cortadeiras e carregadeiras, utilizando as folhas cortadas e outras substâncias para cultivarem o fungo com que se alimentam. São consideradas a mais importante das pragas agrícolas do Brasil.

    São sociais, e vivem em formigueiros subterrâneos, formados de várias panelas, canais e olheiros. Estudou morfologia vegetal na obra de Goethe e especializou-se em botânica, chegando a lecionar em Paris, no Jardin du Roi, mais tarde Museu de História Natural.Quando esteve no Brasil (1816-1822), percorreu os atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Colheu grande quantidade de material orgânico e mineral, além de dados etnográficos e descreveu o aspecto da flora em cada região visitada, enriquecendo a fitogeografia florística e a fitogeografia ecológica com sua interpretação do complexo meio físico-planta, referente às plantas estudadas.

    Classificou duas famílias, muitos gêneros e mais de mil espécies novas da flora brasileira. Reuniu uma coleção de seis a sete mil espécies de plantas para o Museu de História Natural de Paris. Entre seus livros sobre o Brasil estão Plantes usuelles des brésiliens (1824), Histoire des plantes les plus remarquables du Brésil et du Paraguay (1824) e Flora Brasiliae meridionalis (1825-1832, 3 v. colab. Jussieu & Cambessèdes), além de vários outros relatos publicados e traduzidos (1822-1887) sobre suas viagens ao interior das provincias(1779 - 1853) .
 

Viagem pela Bahia do Rio de Janeiro

 

    O naturalista Auguste de Saint-Hilaire percorreu a região nos anos de 1816,1818 e 1819. Na sua primeira viagem a Ubá, em 1816, Saint-Hilaire, ainda "encantado" com "a Bahia do Rio de Janeiro" apresenta breve descrição dos rios¹ que nelas deságuam, bem como a sua função como vias de abastecimento para a capital.

Ao percorrer o rio "Aguassú"² (Iguaçu), Saint-Hilaire descreve uma paisagem composta de terras bastante férteis, com alguns engenhos e uma " belíssima relva". Essa percepção de que na região se encontra sempre um verde bastante vivo será uma constante nas suas observações sobre o rio "Aguassu" e o rio Pilar³, já em sua viagem em 1818. 
    Em 1819, Saint-Hilaire vai percorrer o rio Inhomirim* e, como outros viajantes, descreverá o Porto Estrela**. Percebe-se, em sua descrição, que o naturalista já demonstra conhecer a hidrografia local, citando outros rios como o Saracuruna e um canal que liga o rio Inhomirim ao rio Pilar.
    O naturalista também refere-se aos mangues da região como um termo genérico para definir certa variedades de plantas***, e não um terreno alagadiço e sem vida como comumente era entendido. Saint-Hilaire chama atenção para o fato de a "destruição"**** dessas espécies vegetais já ter sido motivo de um embate no século XVII entre "autoridades civis e eclesiásticas", tendo em vista o aproveitamento de seu córtex. No geral, a descrição do Porto Estrela não varia entre os viajantes; talvez ali o encantamento com a paisagem local ceda lugar às lembranças das estalagens européias, e o viajante agora se confronte não com o desconhecimento da natureza, mas com o desconhecimento da vida local. Descobrir a natureza dependerá também da capacidade destes naturalistas diante das poucas possibilidades locais.

¹ Uma imensidade de rios deságuam na Bahia do Rio de Janeiro: tendo suas nascentes nas montanhas vizinhas, seu curso é, geralmente, pouco extenso; mas facilitam o transporte de mercadorias, e são da maior utilidade para o abastecimento da capital.
     Na parte em que subimos o Mirity tem correnteza quase imperceptível. Suas águas são salobras e atravessam uma zona baixa, pantanosa, e inteiramente coberta por duas espécies de árvores aquáticas. Terrenos da mesma natureza são bastante comuns nos arredores da cidade: não se cogita, por enquanto, de aproveita-los; como, porém a população do Rio de Janeiro aumenta com surpreendente rapidez, tempo virá em breve, em que se tentará tirar partido das terras hoje em dia inúteis.

Fonte: SAINT - HILAIRE, A de . Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais. 1938.

² (...) Percorremos por um caminho arenoso uma zona plana, entrecortada de bosques e alguns pastos e, tendo deixado para traz alguns engenhos de assucar, chegamos a Hyguassú, ou mais comumente Aguassú, cabeça da parochia do mesmo nome. Não existe em Aguassú povoação propriamente dita: vêm-se unicamente algumas casas esparsas, a maioria das quaes bastante afastadas uma das outras e várias dellas construídas em volta de uma grande praça coberta de bellissima relva. 
     Essas habitações que não constam de mais que o rez-do-chão, são occupadas por botequineiros, por negociantes de lojas bem sortidas, e que vendem ao mesmo tempo gêneros alimentícios e tecidos, e por ferradores, enfim, cujo officio é ahi mais necessário que qualquer outro, por causa da passagem continua de tropeiros de Minas Gerais que descem a serra. É em Aguassú que começa a ser navegável o pequeno rio ao qual o lugar deve sua origem e nome. 
     O rio Aguassú nasce a pequena distância da grande Cordilheira e, lançando-se como o do Merity na Bahia do Rio de Janeiro, fornece aos cultivadores da vizinhança um meio comodo de transporte de seus produtos para a cidade.
      Deixando Aguassú não se tem que andar mais de meia légua para chegar ao sopé da serra. O terreno continua a ser plano; mas a vizinhança da grande Cordilheira dá á paisagem um aspecto autero. Fonte: SAINT - HILAIRE, A de . Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais. 1938.

³ A descida da serra é íngreme, pedregosa e difícil. Antes de chegar ao pé da montanha ouve-se um ruído de um regato que corre entre as pedras. É o rio Pilar que irriga a planície que eu ia atravessar e que toma o seu nome da aldeia a que me dirigia. Esse pequeno rio é o último afluente do Iguaçú que, como já disse em outro lugar, lança-se na baía do Rio de Janeiro.
     Logo que desce a cadeia marítima o aspecto da região muda de caráter. Deixando-se atrás as montanhas percorridas, outras que se ligam aquelas aparecem e, por uma singular ilusão de ótica, o conjunto parece fechar inteiramente o plano onde corre o rio Pilar. Os prados pantanosos que margeiam esse rio apresentam a mais fresca verdura; não se vê um detrito sequer de erva seca, uma folha amarelando, e, em parte nenhuma a vista é entristecida por esses fetos que, na província de Minas Gerais, substituem as florestas.
     (...) essa planície, estende-se até o mar, em um espaço de algumas léguas; o pequeno rio Pilar aí serpenteia e, como é navegável às canoas é muito útil aos agricultores no transporte de seus produtos.
     O terreno baixo, e em alguns lugares pantanoso, produz de todos os lados gramíneas aquáticas e altas Ciperáceas. Nos lugares secos o solo apresenta uma mistura de areia fina e de terra parda onde a mandioca desenvolve-se bem, enquanto em lugares mais úmidos produzem arroz em abundância. Por toda a parte a vegetação contínua a ser vigorosa e a verdura de extrema frescura. Fonte: SAINT-HILAIRE, A de. Viagens pelo Distrito e litoral do Brasil.1941.

* De distância em distância, o rio costeia pequenas collinas sobre as quaes se percebe ordinariamente uma modesta habitação rodeada de bananeiras. Ao longo vê-se elevar uma porção da cadeia marítima, cujo aspecto varia à medida que se sobe o curso do rio. O céu, perfeitamente sereno, era do azul brilhante; a verdura dos mangues e de outros arbustos que rodeiam o riozinho tinha esse frescor que não se pode deixar de admirar em todos os arredores do Rio de Janeiro, e a vivacidade dessas cores brilhantes formava um agradável contraste com os matizes confusos dos montes. Fonte: SAINT - HILAIRE , A de . Viagem às Nascentes do Rio São Francisco e pela província de Goyaz. 1937.

** Cheguei às seis horas ao Porto da Estrela, onde já o rio tem pequena largura. Esta pequena povoação pertence à paroquia de Inhomirim e não possui mais do que uma capella construída numa elevação e dedicada a Nossa Senhora. Desde que comecei a viajar pelo Brasil, lugar nenhum me apresentou tanto movimento como o porto Estrela. Há dificuldade em nos encontrarmos uns aos outros no meio das bestas que partem ou chegam, dos fardos, dos almocreves, das mercadorias de todo gênero que se acumulam nessa povoação. Lojas bem sortidas fornecem aos numerosos viajantes aquilo de que carecem. Aliás, não existe, em volta do Porto da Estrela, nenhuma habitação digna de nota (1819); mas cultiva-se um pouco de café nos arredores. Fonte: SAINT - HILAIRE , A de . Viagem às Nascentes do Rio São Francisco e pela província de Goyaz. 1937.

*** Possui vegetação típica, que apresenta uma série de adaptações às condiçoes nos manguezais. Esta vegetação é tão especializada que se pode verificar a ocorrência de determinadas espécies de plantas nos manguezais de todo o mundo, como é o caso da Rizhophora mangle, conhecida vulgarmente no Brasil como mangue vermelho.Associadas ao mangue vermelho, destacam-se a presença da Laguncularia racemosa e Avicennia schaueriana. Fonte: http://www.ambientebrasil.com.br/

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****  O autor não se detém no mérito das argumentações; ressalta apenas que, enquanto os eclesiásticos pretendiam conservar tais espécies, as autoridades civis teriam concedido autorização para seu corte e utilização até 1769. A partir desta data, "a administração civil modificou um pouco essas idéias destruidoras, pois o alvará de 9 de julho de 1769 proibiu que se cortassem os mangues, a menos que já não tivessem sido despojados da casca em proveito dos cortumes". Possivelmente, esse se constituiu um dos primeiros debates sobre a preservação de espécies dos mangues na região. Fonte: FADEL, Simone. Tese de doutorado: Meio Ambiente, Saneamento e Engenharia no período do Império à Primeira República: Fabio Hostílio de Moraes Rego e a Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense, 2006.

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