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Luccock

(1816-1818)

A baía e os rios que nela deságuam

     Luccok em seu relato, datado de 1816, sobre o Rio de Janeiro e as partes meridionais, no qual destina um capítulo à "baía e os rios que nela deságuam" apresenta uma forte oposição entre natureza- cultura.

     A viagem rumou para a foz do "Iguazú"¹ (Iguaçu); no entanto, são relatadas dificuldades com um "extenso banco de lama que se destaca de uma praia baixa e apaludada". A embarcação acaba por encalhar, e os tripulantes são ajudados por um negro e um "mestiço", que surpreenderam o viajante, tal a sua desenvoltura na água e na lama preta que envolvia o barco.

     Talvez essa experiência tenha marcado a percepção de Luccok sobre os rios, pois este descreve, como nenhum outro viajante aqui apresentado, os aspectos pantanosos da região e as dificuldades de navegabilidade. 

     Ao descer o rio Iguaçu e retornar à Ilha do Governador, Luccok refere-se à necessidade de intervenção nos rios para consertar "defeitos de navegabilidade"². No entanto, ainda segundo Luccock, o Brasil ainda não se constituía como uma sociedade civilizada (à moda européia), e era incapaz de transformar seus rios.

     Luccock prossegue sua viagem até a localidade de Nossa Senhora da Guia³, e, nessa etapa, utiliza o canal que leva a esta localidade como exemplo do regime das águas da baía, tendo em vista os vários bancos de lama que teve que enfrentar:

     A viagem prossegue entre belezas naturais e dificuldades com os "bancos de lama", até a chegada ao Porto Estrela*. No entanto, a descrição deste último apresenta um aspecto positivo, pois aponta a possibilidade de esta região estar rumando para o progresso, através do cultivo das terras e da instrução da população local.

     Ao seguir viagem para Suruí, Luccok tece alguns comentários sobre a relação entre as chuvas e as florestas. Percebe-se primeiramente que até aquele momento o desmatamento da região ainda não era "sensível", pelo menos nas áreas mais altas, uma vez que em outra ocasião são descritos engenhos ou áreas cultivadas, nas zonas de baixada. Interessante, porém, é a percepção da relação entre a quantidade de chuvas e as áreas de florestas. Luccok aponta essa relação pelas chuvas que caem em regiões próximas à floresta, escasseando nas proximidades da cidade do Rio de Janeiro, à época já com grande área desmatada. O desmatamento**, contudo, é visto como algo positivo para o clima, por tornar as áreas mais secas e menos pantanosas. Como na concepção inglesa, o cultivo de terras - no caso brasileiro envolvendo necessariamente derrubada das florestas - é sinônimo de progresso e civilização.

¹ O Iguazú é um belo rio, largo e profundo que corre por um leito extraordinariamente meandroso. Estando normal o estado da atmosfera, a correnteza é forte; na estação das chuvas, corre ela com grande impetuosidade, desbarrancando por largos trechos suas ribanceiras. São estas de ambos os lados cobertas de altas plantas aquáticas, cujos sucos contribuem ainda mais para tingir as águas que descem suas nascentes já tão turvas.     

    Quando vêm as enchentes, esses campos de vegetais são solapados com suas raízes pelas águas turbulentas, arrastados rio abaixo pela correnteza e, atirados à praia próximo a foz, servem para dilatar os pântanos em que nasceram; pelas estações mais tranquilas, ficam as ervas eretas, formando como uma alameda de caules espigados, com curiosas cabeças arredondadas que servem de abrigo a inúmeras aves aquáticas. Cerca de cinco milhas a montante de sua embocadura é esse rio alcançado pelo Pilar, que vem de nordeste, já tendo passado por junto de umas poucas casitas e um grande edifício que formam a aldeia do mesmo nome. Fonte: LUCCOCK , John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil , 1942.

² O curso dessa corrente poderia ser grandemente encurtado, bastando para tanto que se cavassem pequenos canais, reunindo curvas que de muito se aproximam mutuamente; alegam, porém e provavelmente com razão, que se assim o retificassem, embarcação nenhuma lograria vencer sua correnteza, ficando por outro lado, seu curso superior tão raso que nem mesmo uma canoa nele obteria calado. Remédios naturais para esses defeitos de navegabilidade, tais como diques e comportas, ainda não são conhecidos no país e muitos anos se hão-de volver antes que possam introduzir-se. Neste clima prolífico, tanto faz a cada ano, na obra de se converter paúes em terra firme, que por muito tempo ainda não haverá escassez de terra bastante que obrigue o povo a valer-se de processos científicos no aproveitamento dos rios. LUCCOCK , John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil , 1942.

³ O canal que conduz para esse lugar fica justamente na beirada do banco de lama, entre rochedos, e a correnteza que por entre êlles flue servirá para ilustrar um dos principais aspectos das marés desta singular baía. Penetram estas com grande violência pela garganta do Pão-de-açúcar; o ramo principal de sua corrente, seguindo pela margem oriental da baía, passa entre Paquetá e Governador e esbarra com a costa leste de Nossa-Senhora-da-Guia. Daí haver (sic) lama no fundo, nessa parte, nem serem as praias pantanosas; tudo é limpo e pedregoso, já que o aluvião trazido pelos rios e os detritos empuxados pela corrente são arremessados para pontos diferentes, à direita e à esquerda.  LUCCOCK , John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil , 1942.

* Atravessando a boca do Inhomirim, de novo topamos com o banco de lama, vendo-nos obrigado a safar-nos dele como bem pudemos, pois que não compreendermos os sinais ali colocados pelas pessoas acostumadas a varar esses baixios.
    O Inhomirim é um belo rio, de leito profundo e correnteza arrastada, por entre terras muito acidentadas e elevados blocos de rochas separados uns dos outros, vários casos, por vasto banhados. A-pesar-da aparência desfavorável de suas margens e das dos seus muitos tributários, são elas todas bem cultivadas. Na foz, tem duzentas jardas de largura; tendo subido cerca de três léguas e meia acima dela, estreita-se para setenta. Neste ponto fica a aldeia do Porto-da -Estrela., interessante pela sua grande atividade. Embora não possua muitas casas, algumas delas são insolitamente boas. A igreja fica sobre a colina escarpada e redonda, a cerca de duzentos pés acima do nível da água tendo pela situação vantagem que lhe falece no tamanho, dominando extensos panoramas de ricas plantações para o sul e para leste, e de montanhas cobertas de matas, de ricas plantações para sul e para leste, de montanhas cobertas de matas, para o norte. O que mais importa é que ali existem dois cais com armazéns apropriados, donde se embarcam para a capital muitos produtos do interior. De vez que as estradas principais do país começam ou terminam nesta localidade, ali também se desembarcam e carregam em lombo de burro todas as mercadorias que se destinam à região norte da capitania do Rio-de-Janeiro, a Minas-Gerais, Mato-Grosso e Goiás (...) Por esse motivo, a vila vive cheia de burros, tropeiros e gente arrebanhada de quase todos os pontos das províncias centrais; às margens do rio, apinham-se os saveiros; novas terras se demarcam e cultivam, sociedades novas se constituem e o povo progride em instrução e civilização.Fonte: LUCCOCK , John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil , 1942.

** Em seguida à foz do rio Guia, governamos em direção da escarpada ponta da Coroa, passamos por junto dela, penetramos dentro em poucos em águas rasas, a leste, com o fundo da areia, e com grande dificuldade descobrimos o canal que leva a Suruí (a corredeira) (...)
    O prazer que sentíramos na contemplação desse cenário induziu-nos a subir o rio até onde pudesse alcançar nossa embarcação; mas ao cabo de três horas de árduos esforços, não conseguíramos avançar por mais de duas milhas, já que a impetuosidade natural da correnteza se acrescera pelo efeito de violento temporal (...)
    De regresso a cidade, soubemos que o tempo ali estivera perfeitamente sereno naqueles mesmos períodos; como por outro lado, já nos convencemos de que tais tempestades provinham das mesmas causas que dantes acarretavam fenômenos semelhantes no Rio-de-Janeiro, serviu o fato para confirmar a conjectura segundo a qual a melhoria ocorrida no clima da parte inferior da baía se deve principalmente à derrubada das matas e desimpedimento das terras, progresso esse da lavoura que por enquanto não atingiu em grau sensível estas montanhas.  Fonte: LUCCOCK , John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil , 1942.

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